A vida tem a cor que você pinta. (Mário Bonatti)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Desabrochar

Ao acordar, debruçou-se sobre sua agenda para constatar os seus compromissos diários. Trabalho, trabalho, trabalho. Sentiu-se esmagada por sua própria vida não vivida e desaproveitada. Ao sair do banho decidiu que sim, iria atrás daquilo que havia submergido há anos: a sua liberdade e os seus estímulos para viver com intensidade cada minuto.
Saiu na direção contrária ao seu escritório. E, quando deu por si, estava o mais próximo possível de um ataque de nervos, que eclodiria
em risos, palavrões, choros, pontapés e, quem sabe, alguns gritos de puro desespero.
Deu-se conta de tamanho impulso, pensou rapidamente nas crianças que esquecera de acordar, alimentar e enviar à escola. Riu e pensou que isso não faria tanta diferença em suas vidas. Elas detestavam a obrigação de ir à escola todos dias.
Nesse exato momento, avistou Paula, uma amiga de infância. Fingiu que não a vira, pois do contrário seria obrigada a demonstrar satisfação e contentamento. E hoje era um dia para não encontrar-se com ninguém. Hoje, o dia era seu, dedicado a si e a seus desejos.
Passou
rapidamente pelo centro da cidade, comprou um novo cachecol azul – pois do mesmo modelo ela já tinha o verde, o preto, o lilás e o amarelo. Sim, faltava o azul. Mordeu alguns morangos na feira, apalpou lindas maçãs vermelhas, sorriu para o mundo, conversou com os mendigos, sentiu compaixão dos pés descalços das crianças de rua e sensibilizou-se com a tristeza estampada na cara de todos os transeuntes. Após andar quatro horas sem parar muito para pensar no que estava fazendo, nutrir-se da beleza e fatalidade que habitam a cidade, decidiu ir ao cinema. Era o seu presente de aniversário, ainda que a data tivesse passado há oito meses. Presentear é sempre um prazer.
Exausta, no final do filme percebeu que o seu dia fora inútil, talvez infértil e até banal. Isso a deixou feliz e satisfeita, há tempos precisava de um dia como esse. Mas há muito mais tempo sabia que desde então jamais voltaria à trivialidade de sua agenda diária, tampouco à banalidade de sua rotina. Ser livre para viver, é o que sentia no mais íntimo do seu ser.

3 comentários:

  1. Acompanhei os passos e também mordi os morangos. Humano demais, lindo demais, Vanessa!

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  2. Que bom que gostou, Biofa.
    Obrigada!
    =)
    Beijo!

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  3. PERFEITO! Coincide com o tema que preciso escrever para um site, e estava sem ideia! Agora me inspirei! Bjos, Van!

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