Olá!!! Um pouco de literatura para hoje...
Bem, segundo Italo Calvino(1), “Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: “Estou relendo...” e nunca “Estou lendo...”. E, segundo o mesmo autor, “São clássicos os livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos”.
Sendo assim, ao reler o São Bernardo(2), de Graciliano Ramos, um clássico - não só para mim - selecionei este trecho. Texto, no mínimo, arrepiante. E exemplo da grandiosidade dessa obra:
"Conheci que Madalena era boa em demasia, mas não conheci tudo de uma vez. Ela se revelou pouco a pouco, e nunca se revelou inteiramente. A culpa foi minha, ou antes, a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma agreste. E, falando assim, compreendo que perco o tempo. Com efeito, se me escapa o retrato moral de minha mulher, para que serve esta narrativa? Para nada, mas sou forçado a escrever.
Quando os grilos cantam, sento-me aqui à mesa da sala de jantar, bebo café, acendo o cachimbo. Às vezes as ideias não vêm, ou vêm muito numerosas - e a folha permanece meio escrita, como estava na véspera. Releio algumas linhas, que me desagradam. Não vale a pena tentar corrigi-las. Afasto o papel.
Emoções indefiníveis me agitam - inquietação terrível, desejo doido de voltar, tagarelar novamente com Madalena, como fazíamos todos os dias, a esta hora. Saudade? Não, não é isto: é desespero, raiva, um peso enorme no coração. (...)
O tique-taque do relógio diminui, os grilos começam a cantar. E Madalena surge no lado de lá da mesa. Digo baixinho:
- Madalena!
A voz dela me chega aos ouvidos. Não, não é aos ouvidos. Também já não a vejo com os olhos.
Estou encostado à mesa, as mãos cruzadas. Os objetos fundiram-se, e não enxergo sequer a toalha branca.
- Madalena...
A voz de Madalena continua a acariciar-me. Que diz ela? Pede-me naturalmente algum dinheiro a mestre Caetano. Isto me irrita, mas a irritação é diferente das outras, é uma irritação antiga, que me deixa inteiramente calmo. Loucura estar uma pessoa ao mesmo tempo zangada e tranqüila. Mas estou assim. (...)
A toalha reaparece, mas não sei se é esta toalha sobre a que tenho as mãos cruzadas ou a que estava aqui há cinco anos. (...)
Agitam-se em mim sentimentos inconciliáveis: encolerizo-me e enterneço-me; bato na mesa e tenho vontade de chorar.
Aparentemente estou sossegado: as mãos continuam cruzadas sobre a toalha e os dedos parecem de pedra.”
Boa semana!
Au revoir!
1. CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia de bolso, 2009.
2.RAMOS, Graciliano. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 2009.